Repetidas Visitas – Ana Lucia Timotheo da Costa

Sempre que podia visitava cidades interioranas. Era o tempo de deixar a pouca bagagem que consigo levava, em alguma pensão simples e convidativa.

Descobria uma praça e escolhia um banco para se sentar. Dava início a observação que juntava-se ao prazer do sentir e perceber.

O relógio da matriz sempre anunciava as horas. Chegava a ser prazeroso o vento quente, fruto do mormaço trazido de longe.

Cidade do interior guarda o canto de um galo que desperta de tarde. Bastava ouvi-lo para imaginá-lo. Seria um garnizé?

Da praça avistava um botequim de pés sujos. Nunca estava vazio, fosse a hora que fosse. Rostos vermelhos, gastos, suados e queimados pela lida.

Canteiros arrumados, uns floridos outros, apenas, com vegetação rasteira.

Vez ou outra encontrava um gato solitário dormiscando embaixo de algum banco. Por certo descansava após uma noite de súcia.

Uma ou outra mãe arrastava seu filho pela mão. Sempre um olhar cansado tomava-lhe a fisionomia.

A certa hora abria o brechó de móveis antigos que a fascinavam. Tinham o cheiro de arca das sacristias que havia conhecido em tenra infância.

Ao cair da tarde repetidamente uma mariposa levantava voo e pousava em alguma estátua, já gasta pelo tempo. Passaria ali a sua noite?

Depois deste não pensar e entregar-se ao fazer nada, vinha-lhe uma certa paz que a levaria de volta ao seu pouso.

Aquele cenário já estaria encravado em seu peito porque todo fascínio estava mais forte, com a chegada da penumbra do findar da tarde.

Chegava, beliscava algo e tentava dormir naquela cama simples que acolhia, naturalmente, seu corpo e seu sono.

Havia chegado a hora de perder sua própria companhia.

Publicado no livro Foco na Poesia 2, Dowslley Editora, 2021

 

 

4 Comments

  1. Uma delícia de texto… você é uma observadora da vida, parabéns!

  2. Que perfeição!
    O transporte para a pequena cidade é imediato e delicioso!

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